"NÃO SEI SE TIMOR É UM ESTADO VIÁVEL"
Público - Domingo, 15 de Outubro de 2006
por António Marujo
O bispo de Baucau confessa a sua perplexidade perante o actual momento que se vive no país.
Tem mais dúvidas agora, acerca da situação do país, do que antes da demissão de Mari Alkatiri.
E admite que há sectores da Igreja que ainda convivem mal com a democracia. Mas, se não há mais violência, isso deve-se à Igreja.
D. Basílio do Nascimento, bispo de Baucau, esteve em Fátima na reunião dos bispos lusófonos, que ontem terminou. Deu esta entrevista ao PÚBLICO nas vésperas de a ONU apresentar um relatório, previsto para segunda-feira, sobre a situação no país.
PÚBLICO - Afinal, Timor é um estado viável?
D. BASÍLIO DO NASCIMENTO - Não sei responder. Estes percursos são próprios de quem começa. Como a esperança é a última coisa a morrer, [espero] que Timor possa ser um país viável.
PÚBLICO - Onde vê a solução para os problemas actuais?
D. BASÍLIO DO NASCIMENTO - Um dos problemas básicos que devem ser solucionados é o da segurança. Timor estava em crise e por isso se apelou à comunidade internacional, que veio e trouxe também algumas dores de cabeça. Espero que a situação evolua no sentido da estabilidade, tentando encontrar meios de assegurar a paz, garantindo a segurança dos refugiados para que eles possam regressar a suas casas e ter um clima tranquilo para organizar as eleições. O país tem que se habituar a viver em democracia.
No início da crise, houve sectores da Igreja que pediam a demissão do primeiro-ministro Mari Alkatiri. Afinal a crise continua...
Até Junho, tive a veleidade de julgar entender alguma coisa. Antes da demissão do primeiro-ministro, havia uma orientação que não agradava ao país. É natural que as pessoas se manifestassem. Vendo a arrogância - deixe passar a palavra - que o ex-primeiro-ministro tinha, eu ainda entendia as manifestações. O único ponto positivo alcançado foi a [sua] demissão. Outros resultados, não os vejo.
PÚBLICO - Quer dizer que não era ele o responsável pela crise?
D. BASÍLIO DO NASCIMENTO - Não deve ser o único. O que resultou da crise militar? Até hoje não há resposta. Depois, vieram as acusações ao primeiro-ministro e ao ministro do Interior - não há nada apurado. Pensou-se, com a alteração do Governo, que as coisas iriam mudar - a inércia parece continuar. O mal não estava somente no antigo primeiro-ministro...
PÚBLICO - Estava também no Presidente [Xanana] e na rivalidade entre os dois?
D. BASÍLIO DO NASCIMENTO - Se calhar, um dos factores da instabilidade é o não entendimento entre a Fretilin e o Presidente.
PÚBLICO - Mas a Fretilin ganhou eleições...
D. BASÍLIO DO NASCIMENTO - Só que o exercício democrático ainda não faz parte do nosso quotidiano, deixamo-nos guiar mais por sentimentos, desejos e aspirações do que pelo respeito das regras democráticas. A Igreja tem tentado contribuir para a educação da população. Nem sempre o tem conseguido, mas o facto de não haver mais violência deve-se também a [isso], apesar de alguns sectores da Igreja que ainda não compreendem o exercício democrático.
PÚBLICO - A Igreja, depois do papel importante que teve, não aparece com uma função tão estabilizadora quanto poderia.
D. BASÍLIO DO NASCIMENTO - A Igreja foi chamada a exercer um papel que não era o dela, dada a falta de estruturas. Hoje, temos órgãos de soberania, temos instituições democráticas, [Timor] já não é um país ocupado mas independente, as coisas têm que funcionar - bem ou mal. Muitas vezes digo a [alguns] parlamentares: vocês também são católicos, também é vossa responsabilidade pensar e contribuir para a pacificação do país.
O que está no espírito das pessoas é que, no passado, a Igreja falava e resolvia as coisas. Hoje, há esta nostalgia de olhar para a Igreja como no passado. Esta tentação vem também de membros do Governo. Nós dizemos: há campos que são da nossa competência, mas não podemos resolver problemas políticos, criminais ou judiciais com soluções morais.
PÚBLICO - Mas essa tentação não esteve presente nesses sectores da Igreja que levantaram a questão das aulas de religião na escola, do preservativo?
D. BASÍLIO DO NASCIMENTO - Essas duas questões tinham a ver com a sociedade timorense idealizada pela Igreja, do princípio da vida e da utilização do corpo na perspectiva cristã. [Nas] aulas de moral, o que estava em causa era [entre outras coisas] que uma nota do Ministério dizia que cabia ao director da escola decidir se há ou não aula de religião. Mas [esta] era a ponta de um icebergue que emergiu, [por causa] de uma orientação que o Governo queria dar à sociedade e não tinha nada a ver com a maneira de ser e de pensar do povo timorense.
PÚBLICO - O relatório do International Crisis Group (ver PÚBLICO de dia 11), aponta oito nomes, entre os quais os do Presidente Xanana e do ex-primeiro-ministro, como responsáveis pela crise. Eles deveriam sair e dar lugar a uma nova geração de políticos?
D. BASÍLIO DO NASCIMENTO - Desde o momento em que um líder faz jogos que não são transparentes ou contribuem para alterar a vida do seu país, [perde] a imagem, a consideração, a seriedade e deixa de ter autoridade moral.
PÚBLICO - Está a referir-se ao ex-primeiro-ministro Mari Alkatiri?
D. BASÍLIO DO NASCIMENTO - A todos, no caso de se provarem os actos de que são acusados. Até [lá], são inocentes. Se se provar que são culpados, [deixam de] ter autoridade moral para serem reconhecidos pelo povo.
PÚBLICO - Não é prematuro pensar Timor, neste momento, sem o Presidente Xanana, [mesmo concluindo] que ele também deveria assumir responsabilidades?
D. BASÍLIO DO NASCIMENTO - Se se provar que ele é culpado, o próprio Presidente Xanana vai sentir-se mal - embora tenha a aura toda que tinha ou tem.
PÚBLICO - Quem manda neste momento no país?
D. BASÍLIO DO NASCIMENTO - Boa pergunta. Eu também a faço para mim, mas não tenho respostas.
PÚBLICO - Bandos armados continuam à solta...
D. BASÍLIO DO NASCIMENTO - Houve membros do Governo que me disseram que sabiam quem eram os chefes dos gangs, o que faziam, onde estavam. Perguntei-lhes porque não os prendiam, disseram que não tinham força para isso. O que dirá a população civil?
PÚBLICO - Mari Alkatiri acusou elementos estrangeiros, alguns padres, aliados a mais algumas pessoas, de terem combinado um golpe de estado. Isso tem fundamento?
D. BASÍLIO DO NASCIMENTO - Vindo da boca de quem tem responsabilidades, no mínimo era necessário apresentar provas. Afirmações deste género não podem ser feitas de ânimo leve. O [antigo] ministro do Interior, Rogério Lobato, disse isso e eu publicamente [pedi] que ele apresentasse os nomes. Até aqui, ele não o fez.
Incendiar uma casa "dá" 50 dólares, matar "dá" 150
PÚBLICO - São necessárias mais forças internacionais?
D. BASÍLIO DO NASCIMENTO - Não sei se serão necessárias mais forças estrangeiras ou se elas se bloqueiam mutuamente.
PÚBLICO - O ex-primeiro-ministro [Mari Alkatiri] dizia ao PÚBLICO (ver edição de dia 12) que há elementos internos e externos interessados nesta desestabilização.
D. BASÍLIO DO NASCIMENTO - Ele terá [elementos] para comprovar o que diz. Eu conheço o que me dizem membros do clero e o bispo de Díli. Em frente ao Hotel Timor, em Díli, há um campo de refugiados, que tem sofrido muitos ataques. Há tempos, foram apanhados dois ou três [atacantes], que foram interrogados. Um disse assim: trabalhando todo o dia, ganhamos dois dólares; se apedrejarmos uma casa, ganhamos 20; se incendiarmos uma casa, ganhamos 50; se ferirmos alguém ganhamos 100 e se matarmos alguém ganhamos 120 a 150. Quem dá dinheiro?
PÚBLICO - Há quem diga que a Austrália está interessada em desestabilizar Timor, pelo petróleo. Isto pode ser verdade ou é uma leitura simplista?
D. BASÍLIO DO NASCIMENTO - Todas as hipóteses são admissíveis e todas as hipóteses podem ser negadas. Não quero fazer processos de intenção nem acusar infundadamente as pessoas, "mas que há bruxas, há".
Subscribe to:
Post Comments (Atom)
No comments:
Post a Comment