Monday, March 19, 2007

A causa de Timor e a decepção nacional

Subject: DN_Artigo de Opinião_Sábado_ 17Março2007
Date: Sun, 18 Mar 2007 11:11:33 +0000 (GMT)

A causa de Timor e a decepção nacional


Francisco Sarsfield Cabral
Jornalista

Custa-nos a aceitar a possibilidade de Timor-Leste
vir a revelar-se um Estado falhado. Fizemos um enorme
investimento afectivo na luta dos timorenses contra a
ocupação indonésia, iniciada em 1975. A causa da
libertação de Timor uniu os portugueses como raras
vezes se viu.

Foi uma emoção barata, com
certeza. A causa timorense pouco exigiu da maioria dos
portugueses. Mas foi uma emoção real, contrastando com
a frieza e até indiferença com que o País assistiu, há
30 e tal anos, ao fim do império colonial.

Em 1975 a atitude portuguesa contribuíra para
desencadear a invasão indonésia. E, uma vez afastados
os indonésios, talvez nos tenhamos precipitado a
empurrar Timor para a independência. Além de que
devíamos ter exigido das Nações Unidas uma presença
mais
forte e prolongada no território.

Quanto à marca cultural que deixámos em Timor, dá
que pensar a recente lamentação da Ramos-Horta de que
os critérios ocidentais de justiça têm dificultado o
combate ao crime naquele país, porque os tribunais
libertam os de-sordeiros presos pela polícia.

Será que o primeiro-ministro timorense também
defende os "valores asiáticos" contra os direitos
humanos, como outros políticos da região?

Mas Timor surgiu como a possibilidade de redimir uma
descolonização que correu mal. Ainda hoje se discute
se poderia ter sido de outra maneira, depois de
décadas de teimosia colonialista. Por mim, duvido que,
após Abril de 1974, a descolonização pudesse ter sido
muito diferente.

A revolução teve na sua raiz a insatisfação dos
militares com as guerras em África, que o poder
político se mostrava incapaz de resolver - e de cujo
impasse eles, militares, seriam também acusados. E os
militares eram os grandes prejudicados, em termos
pessoais e profissionais, por essas guerras sem fim à
vista.

A 26 de Abril de 1974 já várias forças portuguesas
em África consideravam terminada a guerra e
confraternizavam com os até aí inimigos.
Desmantelado o exército português nas colónias
africanas, como seria possível uma negociação
equilibrada de Lisboa com os guerrilheiros?

Com a excepção de Cabo Verde e talvez São Tomé, a
rápida saída dos portugueses das antigas colónias
representou uma tragédia para aqueles povos. Guerras
civis em Angola e Moçambique, permanente agitação na
Guiné. Ora salvar os timorenses da opressão da
Indonésia podia lavar essa culpa escondida no
inconsciente nacional.

E, de facto, David venceu Golias. A anexação de
Timor pela Indonésia era, nos anos 90, encarada por
muita gente como facto consumado e irreversível. Não
faltaram inteligentes análises mostrando como jamais
os Estados Unidos (que tinham dado luz verde à
ocupação indonésia) permitiriam a independência de
Timor, por razões geostratégicas.

Afinal, Timor libertou-se dos indonésios, com a
ajuda diplomática de Portugal. Foi a finest hour do
Governo de
Guterres e, porventura, também da Presidência de Jorge
Sampaio.

Mas a paixão portuguesa pela causa de Timor teve o
seu preço. Desde logo, levou a nossa comunicação
social, com raras excepções, a prescindir da
necessária distância, da investigação jornalística
séria e do espírito crítico. Preferiu envolver-se na
defesa ardente da independência de Timor.

Em parte por causa desse jornalismo comprometido,
"de causas", ainda hoje em Portugal se desconhecem
muitas realidades timorenses. Timor fica longe, tem
uma população de cuja diversidade étnica e cultural
mal nos apercebemos e vive ao lado da grande Indonésia
e da não menos poderosa Austrália. O interesse
australiano pelo petróleo no mar de Timor é um factor
essencial nos actuais problemas timorenses.

Virão a confirmar-se os receios de que, depois da
ocupação indonésia, Timor
sofrerá uma colonização australiana? Parece claro que
Camberra apoiou Xanana Gusmão e Ramos-Horta contra
Mari Alkatiri e a Fretilin, naquilo que foi um claro
golpe de Estado. Mas o episódio da falhada captura do
rebelde Alfredo Reinado deixa algumas perplexidades.

Agora, Portugal pouco pode fazer. Temos em Timor um
contingente da GNR que é apreciado pela população
local e nos prestigia. Já é alguma consolação. Seja
como for, apetece pedir aos timorenses que não
estraguem uma das poucas coisas de que, em matéria de
descolonização, os portugueses podiam lembrar-se com
satisfação. Desde logo, pedir-lhes um clima de paz e
espírito democrático nas próximas eleições
presidenciais.

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