Sunday, February 25, 2007

Discurso do Dr. José Ramos-Horta por ocasião do anúncio da sua candidatura à Presidência da República de Timor-Leste

Laga, Sunday, 25 Fevereiro 2007

Discurso do Dr. José Ramos-Horta por ocasião do anúncio da sua candidatura à Presidência da República de Timor-Leste

Minhas senhoras e meus senhores,

Vivi sempre por Timor-Leste e para Timor-Leste. Durante mais de 25 anos divulguei a causa timorense um pouco por todo o mundo. Contei a nossa história, expliquei a nossa identidade, demonstrei que mereciamos ser independentes, ser um país soberano. O povo e a comunidade internacional conhecem-me. Conheço esta bem amada terra, de uma ponta à outra.

Após a idependência, no período de transição, percorri o país ajudando a esclarecer o povo sobre a nova situação e sobre o mandato da UNTAET e procurei mobilizar o povo para participar nos actos eleitorais de 2001 e 2002. Ajudei a fazer o diálogo em muitos pontos do país onde alguns grupos se degladiavam. Fiz a ponte entre as FALINTIL e o Comandante L7. E nunca pensei em candidatar-me para um cargo de poder.

Aceitei o convite que me foi formulado pelo partido vencedor das eleições de 2001 para a pasta de Ministro dos Negócios Estrangeiros e Cooperação. Este foi o meu pelouro. Ajudei a construir um modesto mas activo Ministério dos Negócios Estrangeiros. Continuei a obra de 24 anos de projecção de Timor-Leste no mundo.

Liderei o processo de estabelecimento de relações diplomáticas com cerca de 100 países. Em conjunto com a minha equipa, consegui que Timor-Leste aderisse à ASEAN Regional Forum, adquirisse a qualidade de observador no Forúm do Pacífico, integrasse o Movimento dos Não-Alinhados.

Consolidámos relações com os nossos vizinhos asiáticos. As relações de Timor-Leste com a Indonésia, os outros países da ASEAN, a Austrália, a Nova Zelândia, o Japão, a China, a República da Coreia, a Índia, estão hoje em base sólida. Continuamos as relações de amizade com muitos países da Europa e com a Comissão Europeia, os EUA, e em especial, os países da CPLP.

Em matéria de política externa fui sempre inspirado pelos melhores interesses do nosso país e pelo sentido do realismo, consolidando relações de amizade já existentes e procurando alargar sempre o leque de relacões independentemente do regime político existente em cada país. Um exemplo disso são as excelentes relações que temos com os EUA e com Cuba, dois países com uma relação difícil há quase meio século, com regimes, dimensões e recursos diferentes.

Nos meses de Maio, Junho, Julho e Agosto de 2006, os piores meses de crise, estive com o povo. Na noite do dia 28 de Abril estive com os primeiros deslocados na zona do aéroporto. Percorri as ruas de Dili, durante o dia e a noite. Visitei muitos bairros. Durante os dias mais difíceis, em que os nossos filhos nas F-FDTL e PNTL estavam no hóspital feridos, estive com eles. Visitei muitos distritos. Visitei Aileu, Same, Alas, Maubisse, Gleno, Ermera, Letefoho, Atsabe, Maliana, Liquicá, Suai, Oe-Cussi, Manatuto, Laklubar, Soibada, Baucau, Laga, Lospalos, Loré. Visitei ‘sucos’ distantes. Visitei todos os postos de polícia na fronteira. Falei com homens, mulheres, crianças. Falei com jovens, vendedores ambulantes, pescadores. Falei com elementos dos gangues e das artes marciais. Falei com os nossos polícias e com os nossos militares. Falei com os nossos respeitados bispos, padres, freiras. Falei com ONGs, com os partidos políticos. Falei com os nossos empresários.

Visitei a Austrália e a Malásia, dois dos quatro países que responderam prontamente ao nosso apelo de ajuda quando a crise atingiu o cúmulo. Os outros dois países, Nova Zelândia e Portugal espero visitar assim que possível para agradecer pessoalmente a enorme contribuição que estão a prestar ao nosso país. Também visitei a Indonésia. Fui visitar Sua Santidade o Papa no Vatican. Fui discursar no Conselho de Seguranca da ONU em Nova Iorque.

Fui indigitado para o cargo de Primeiro-Ministro em resultado da grave crise política que abalou o nosso país e aceitei essa ingrata e penosa tarefa.

Não quis ser Primeiro-Ministro por cinco anos e muito menos por 10 meses. O nosso país estava em crise e as nossas instituições estavam em vias de desintegração. O nosso povo estava a sofrer. Por isso, e só por isso, aceitei o cargo de Primeiro-Ministro por 10 meses.

Não quis ser Primeiro-Ministro em 2002 quando a situação era muito mais fácil. Podia em 2001 ter enveredado na corrida para o poder. Não o fiz. Não quis glória nem poder.

A crise de Abril e Maio de 2006 mostrou-nos que o nosso jovem Estado ainda não atingiu o nível de maturidade suficiente para que consigamos, sózinhos, lidar com todos os desafios.

Pedimos ajuda à comunidade internacional, especialmente aos países vizinhos e amigos, às Nações Unidas. A sua ajuda foi e continuará a ser essencial para Timor-Leste.


Todavia, a responsabilidade de lutar pelo nosso país continua a ser nossa, dos timorenses. Alcancámos a independência, hoje somos um Estado soberano, reconhecido pela Comunidade Internacional, mas a nível interno, temos ainda que percorrer um longo caminho para alcançarmos o que todos sonhámos para o nosso país: prosperidade, segurança, equilibrio institucional, estabilidade, desenvolvimento, verdadeira igualdade de direitos e oportunidades, paz social.

Baixámos as armas depois da luta contra a ocupação, temos que lutar agora em pról do futuro do nosso país. Nesta nova luta, cada cidadão timorense tem a responsabilidade de se colocar à disposição do país sempre que seja solicitado para tal e sempre que considere estar em condições para satisfazer os requisitos dos desafios a que se propõe.

Nos últimos tempos têm-me solicitado, aos mais diversos níveis, para que apresente a minha candidatura nas próximas eleições presidênciais.

Sei que tenho condições e capacidades para assumir o cargo de Presidente da República, portanto, estou disponível para assumir a minha responsabilidade para com o meu país.

Anúncio hoje, publicamente, aqui em Laga, a minha decisão de me candidatar à Presidência da República, para suceder a Xanana Gusmão, filho herói do nosso povo que o resgatou das grandes derrotas de 1977-79 e conduziu esse mesmo povo com extraordinária visão até à nossa libertação.

Foram semanas de reflexão e de muita hesitação. Reflecti sobre a honrosa mas muito penosa missão de me candidatar a Chefe de Estado.

Nos termos da nossa Consituição, o “Presidente da República é o Chefe do Estado, símbolo e garante da independência nacional, da unidade do Estado e do regular funcionamento das instituições democráticas”.

Enquanto garante do regular funcionamento das instituições o Presidente deve assumir um papel de interligação e harmonização entre as diversas instituições do Estado, permitindo uma actuação coordenada e portanto, mais eficiente dos diversos orgãos de decisão.

O Diálogo entre instituições é essencial e pretendo fomentá-lo. Um país no qual as diversas instituições se encontrem de costas voltadas não pode crescer.

Durante todo o período da crise que vivemos e até aos dias de hoje, procurei sempre a via do diálogo. Fi-lo porque acedito que só através do diálogo poderemos encontrar as melhores soluções para o nosso país, para o nosso futuro. Fi-lo porque considero que o único modo de alcançar uma decisão justa é através da audição de todos os interessados.

Neste sentido, procurei sempre estimular também o diálogo entre outros, com a consciência de que assim estaria a contribuir para o fortalecimento da nossa democracia e estabilidade social.

Portanto, posso dizer que continuarei, caso seja eleito Presidente, a ter a mesma atitude de harmonização institucional, porque penso que só assim se consegue garantir a independência nacional e a unidade do Estado.

Penso que este é um dos modos através do qual se consegirá reconstruir o que no nosso Estado ficou mais abalado após a crise de Abril e Maio de 2006 e da instabilidade vivida nos meses seguintes.

Estou prestes a terminar o meu mandato como Primeiro-Ministro. Seguirei à risca o que a lei determina. Como candidato, durante o período da campanha eleitoral, afastar-me-ei do governo temporariamente. Não uso, não usarei meios do Estado para a minha “campanha”. Como candidato sou um cidadão comum e não tenho o direito de recorrer aos recursos do Estado fora das funções oficiais que exerço. Observarei com rigor esta regra.

Vim a Laga em viaturas privadas. Aliás NUNCA usei viaturas do Estado para actividades não ligadas às minhas funções quer de Ministro dos Negócios Estrangeiros quer de Primeiro Ministro e Ministro da Defesa. E o não farei agora.

Convido o Inspector-Geral do Estado, os Partidos Políticos e e outras instituições a monitorarem as minhas actividades.

O Governo ao qual presido é um Governo da FRETILIN, o partido maioritário nas últimas eleições parlamentares. Procurei sempre respeitar o partido maioritário, tendo a consciência de que, sendo PM não eleito, com menos de um ano de mandato e surgido de uma crise, teria muitas limitacões de tempo e de poder.

Colaborei lealmente com o partido no poder e com os meus colegas de governo. Partilho com os meus colegas os pequenos êxitos registados da minha governação de escassos meses, muito do que alcançámos ficou-se a dever à experiência e dedicação que demonstraram. As falhas assumo-as eu com humildade e por elas peço desculpa ao nosso povo sofredor e digno.

Durante o período eleitoral, apresentarei ao povo a minha visão e as minhas ideias para a Presidência, tanto a nível interno como internacional.

Até lá, continuarei a servir o país no cargo que ocupo actualmente.

Que Deus todo Bendoso e Poderoso nos abençoe. – FIM.

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