Friday, February 09, 2007

É a última oportunidade para Timor (entrevista de JRH)

Ponto Final – 6/02/07 - 14:48

É a última oportunidade para Timor (entrevista de JRH)
Paulo A. Azevedo, enviado a Timor Leste

O primeiro-ministro de Timor Leste acredita que os próximos cinco anos vão ser a segunda e possivelmente a última oportunidade do país consolidar a democracia e a paz. Numa entrevista exclusiva ao PONTO FINAL, José Ramos Horta abre a porta a uma eventual candidatura à Presidência e garante que o país está pronto para investir centenas de milhões de dólares em infra-estruturas


PONTO FINAL: O que é que domina a agenda política até às próximas legislativas?


José Ramos Horta: Temos as presidenciais em primeiro lugar, a 9 de Abril e até lá temos de criar todas as condições para que haja eleições verdadeiramente livres e democráticas. Isto, não apenas no plano da segurança, que penso que Timor está em excelentes condições em todo o território. Em Díli há problemas esporádicos mas as Nações Unidas já organizaram eleições em situações cem vezes mais difíceis do que a que se vive em Díli. Mas digo mais no plano de oportunidade aos pequenos partidos de poderem deslocar-se ao interior, de terem meios logísticos e financeiros para a sua campanha, para que o povo conheça de perto os líderes. Embora cada partido já devesse ter feito isso nos últimos cinco anos mas há partidos que surgiram só agora.


Há uma lacuna grande no acesso aos media, a nossa televisão só é praticamente vista em Díli, as rádios têm pouca cobertura e a Imprensa escrita menos ainda.


É necessária uma intensa campanha de educação cívica.


E depois vamos às legislativas, que penso que serão mais intensas do que as presidenciais. Vão estar em campo mais de dez partidos, o que é salutar para a democracia mas para isso tem de haver muito civismo entre a classe política timorense. Por isso estamos a trabalhar num código de conduta que venha a ser subscrito por todos.


P: As duas eleições podem ser uma nova oportunidade, um virar de página na história recente de Timor?


J. R. H.: Exacto. Os próximos cinco anos serão a segunda e provavelmente última oportunidade para Timor Leste consolidar a paz e democracia e fazer o grande arranque no plano económico.
E isto depende muito do comportamento da classe política timorense, da elite política, de cada um de nós. Se contribuirmos todos para que as eleições decorram com total transparência e harmonia, se produzirem um resultado claro que garanta estabilidade governativa e parlamentar, creio que temos condições.


Porque ao longo destes meses de crise viajei por todo o país e a grande lição é a de que temos um povo excepcional, a esmagadora maioria não quis a violência e daí que não tenha havido uma guerra civil. Porque se o povo fosse violento e guerreiro como se diz teríamos tido uma guerra civil sem parar até hoje, mesmo com intervenção internacional.

P: Os analistas internacionais aqui em Timor têm dito que é preciso actuar agora, rápida e eficazmente. Mas há também a sensação de que escasseia alguma massa crítica, nomeadamente na estrutura política do país?


J. R. H.: Temos tido mais de dez partidos na liça nos últimos cinco anos, não temos tido falta de políticos e de politiqueiros nem de intelectuais, embora eu também ache que os partidos políticos precisam de mais apoio, mais educação, mais meios. Tenho defendido que o apoio não deve ser apenas material, com cartazes e computadores mas também algum dinheiro de forma a poderem empregar pessoas. A maioria dos partidos não tem dinheiro. A Fretilin tem dinheiro, não muito, obviamente, é um partido organizado ao longo de 30 anos, tem grande base de apoio e muitos amigos fora de Timor Leste, portanto está à partida em posição de muita vantagem em relação a todos os outros.


P: Vai aproveitar esta entrevista para anunciar formalmente a sua candidatura às presidenciais?


J. R. H.: Bom, a sua pergunta pressupõe que eu já tenha decidido candidatar-me. Eu continuo a hesitar muito. Se surgirem outros candidatos melhores e se o povo ficar satisfeito com essas candidaturas eu não avanço. Tomarei uma decisão mais lá para o prazo limite da entrada das candidaturas. Até lá vou continuar a aconselhar-me junto de pessoas amigas, a consultar a Igreja, o presidente Xanana, os partidos políticos para ver se podem surgir outros nomes consensuais.


Eu estou a encorajar outros nomes, a doutora Ana Pessoa, ministra da Administração Estatal; encorajei o general Taur Matan Ruak mas que já me veio dizer que não; o engenheiro Estanislau da Silva, meu vice-primeiro-ministro e o próprio presidente do Parlamento Nacional, Lu Olo.
Se eu me candidatar e perder será um alívio porque pelo menos cumpri com a minha consciência de que me devo oferecer para a chefia do Estado. Se eu me candidatar e for eleito, levarei as funções com muita seriedade porque este povo merece, o país necessita, não tenho dificuldades porque conheço meio mundo, falo com todos os partidos e dou-me bem com todos, conheço o país de lés a lés. Portanto, não tenho grandes dificuldades para o exercício das funções.


P: Preocupa-o o facto de Mari Alkatiri, secretário-geral da Fretilin já ter dito que não concorda com as datas previstas paras as legislativas e que em última análise, senão aceitar as explicações do presidente Xanana, avança para o Tribunal de Recurso?


J. R. H.: Bom, cada um de nós pode fazer uma interpretação demasiado rígida ou académica da Constituição ainda que seja o Tribunal de Recurso quem tem competência para o fazer com neutralidade. E eu creio que não é necessário chegarmos até aí, tenho conversado com o doutor Mari Alkatiri e com o resto da liderança da Fretilin, sei que já houve um encontro entre o senhor Presidente da República e o presidente e o secretário-geral do partido, que decorreu em ambiente frutuoso, por isso creio que entre o PR e os partidos políticos e em particular o partido maioritário, pode haver uma solução de compromisso que respeitando o espírito da Constituição possa ser flexível quanto à realização das Legislativas.


P: O bispo da Noruega avisou que o petróleo pode ser uma bênção mas pode também ser uma maldição, dando o exemplo de outros países como Angola, Nigéria, Venezuela. Numa altura em que Timor Leste ainda dispõe de cinco blocos offshore livres e se prepara para concursos internacionais nos blocos de gás e petróleo em terra, qual é a estratégia do governo para esta fonte de riqueza?


J. R. H.: Sabemos que o petróleo não resolve as questões de subdesenvolvimento e da pobreza, é preciso é saber investir o dinheiro que vem do petróleo e do gás em infra-estruturas que são indispensáveis para o desenvolvimento da economia e que ao mesmo tempo crie empregos aos milhares e reduza a pobreza.


Vamos investir centenas de milhões de dólares nos próximos anos em estradas, estamos em negociações com o fundo do Kuweit, com o Millenium Challenge Count para centenas de quilómetros de estradas de duas vias e outras secundárias que vão criar milhares de postos de emprego nos próximos anos.


Estamos em negociações com outros investidores para hotéis, alguns vão já começar este ano. Portanto, o importante é não fazermos como Salazar, que guardava o dinheiro debaixo da cama e os mais de mil milhões de dólares [americanos] de que dispomos hoje, em apenas dois anos do fundo do petróleo, que sejam investidos com audácia, aceitando riscos necessários para o país poder arrancar.


P: E para quando a entrada de Timor Leste enquanto membro de pleno direito na ASEAN?


J. R. H.: Eu quero apostar para daqui a cinco anos. Em que função estiver, depois de Maio, estarei activamente ligado à preparação de Timor Leste para a entrada na ASEAN. É de suma importância para o nosso país.

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